Diário de bordo!

Diário de Bordo!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Depois das sete!




Misteriosa e, ligeiramente familiar.

De repente o silêncio da leitura perturbado pela algazarra das crianças e pelo sonido do vento na janela me é quebrado por uma canção. Meus pensamentos quase não me permitiam viajar na obra do Erico, estava meio lá meio cá. E aquela canção me interrompeu, me chamando a atenção. Coloquei a cara pra fora da janela fria e úmida aberta como num súbito susto. Mas que música é esta, de onde vem? É da rua, do apartamento ao lado, ou será do carro da vizinha que acabou de chegar na garagem?
 Que música! Nunca a tinha ouvido antes, mas me pareceu tão familiar! Beatles, ou será uma outra banda inglesa qualquer que segue o estilo? Que melodia intrigante e ao mesmo tempo, simples! Trouxe-me a presença que eu estava tentando exorcizar, planejamentos infantis, infundados. Mas que coisa, por que mexeu tanto comigo? Devolveu-me pra fantasia como se esta fosse a minha realidade, da qual eu não poderia fugir mais, nem sequer tentar esquecer. Pensei em consultar-me com a Sônia, talvez a psicologia ajude um pouco, mas o que eu diria a ela? Que uma canção de ritmo comum me tomou de assalto e me prendeu de volta no cativeiro de sentimentos que venho adornando? Ou será que contaria a verdade de um passado esquecido e ressuscitado numa destas conversas eletrônicas bobas? E o que significa realmente a “distopia” que Bradbury descreve em Fahrenheit 451, será que ele falava só dos livros? Ai, o que eu faço?
Pronto, salva pelo chegar invasivo da luz e do som do televisor. Outra música, agora Michael Jackson, e digo com certeza, Billie Jean. Música, tempo, leitura, vento na janela, sons diversos, exclamações, reclamações: - Mãããe! – Já vou! Um suspiro, dois!-Onde eu boto o lixo? – no banheiro da área de serviço filha – em tom amável e compassivo.
            Noticiário com novas de enchentes, frustração. E aquela música? Árvore derrubada na capital, mais chuva e ventos pra amanhã, frio. Quatro segundos quieta, quérula... Mais seis. Começou a novela e sinto minha cabeça pesada, deve ser sono. Mas nem passa das oito e o coração grita, impaciente, intransigente, inconformado. Já não tenho mais forças. E a música, que música era aquela meu Deus? Por que eu a ouvi?
            Foi assim, ela me disse, quando fui escovar os dentes pra sair, que eu estava errada, que deveria rever o que tinha dito, que eu havia falado demais, aberto muito o jogo, sabe? Mas tal criança teimosa que não quer dar o braço a torcer, não me “doí” tanto assim. A vergonha até me veio à face, ardeu e tudo, a boca ficou seca e a garganta arranhando, mas não quis me arrepender. Perguntei, de maneira subjetiva, mas perguntei. Usei de versos poéticos baratos, “rimadinhos” como “quisera adentrar no teu peito e ouvir o que o teu coração diz a meu respeito, mas que medo de tocá-lo e nada ouvir, e nada ouvir...” Vê se pode? Isso é jeito de querer saber alguma coisa? E não sou de fugir não, afim de esclarecimentos, é que ... é difícil. A covardia pode até ser uma escolha, mas às vezes ela se apossa da gente, domina os dedos e paralisa os nervos.
 E a dita música, nada ainda! A Glória dando lição de moral pra funcionários, numa personagem “desajeitadamente” executiva, tentando ser diplomática e ao mesmo tempo entusiasta. E eu sem saber da tal canção. Sabe, aquelas músicas que nos surpreendem, fazendo com que tenhamos a impressão de estar num outro país, ou planeta? Esta mesmo, mas era tão simples, tão... comum! Bem, vou sair um pouco, pode ser que me venha uma luz. Já volto!
...

E depois de organizar os calçados no armário, limpar a geladeira, fritar batatas, preparar inalação de eucalipto, servir o jantar, lavar a louça, tomar um banho, volto como uma crise de ansiedade contida pela respiração... Ufa! Foi por um triz, quase explodi! Antes de vir, tentei me ater no Erico de novo mais a coisa só piorou. Aquela linguagem épica da infância pobre do Eugênio me aguçou os sentidos. Quero descobrir o que havia, e ainda há, naquela música, por que me sobreveio tanta cisma, e quem a enviou? Sim, porque me pareceu mais obra de mentalismo obstinado ou telepatia, sei lá, do que acaso. E eu já disse que não acredito nele, não disse?
 Cabe-me nas mãos agora, apenas um pequeno caderno espiral e um lápis azul com borracha na ponta. Sinto-me miseravelmente impotente, “miseravelmente”. Bem assim. Sem poder sobre o tempo, sobre a geografia, sobre os sentimentos alheios e sobre esta melodia muito bem casada com a letra em inglês que me deixou assim, ansiosa, inerte, suspensa, perdida... Misteriosa e, ligeiramente familiar.


                                                                    “... sempre.”


                                                            Damiana Ribeiro

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